domingo, setembro 23, 2012
O Jesus casado da teologia gnóstica
Na
semana passada, a descoberta de um fragmento de papiro com inscrições em copta (língua
falada no norte do Egito antigo) e que alguns acreditam sugerir que Jesus teria
sido casado deu o que falar na imprensa. No dia seguinte à divulgação da
descoberta, publiquei com exclusividade aqui no blog a resposta do arqueólogo
Rodrigo Silva (leia aqui). Como era de esperar,
as revistas semanais repercutiram o assunto, mas com abordagens um tanto
diferentes. A revista Veja, com a
matéria “Existiu uma senhora Jesus?”, dedicou pouco mais de meia página ao
assunto. A reportagem informa que o uso do carbono 14 não é possível, pois
acabaria destruindo o fragmento de apenas quatro por oito centímetros, e cita a
historiadora Karen King: “Esse é o único texto antigo em que Jesus se refere
explicitamente a uma esposa.” Mas é um texto bem posterior aos evangelhos
bíblicos e envolto em controvérsias.
Veja
lembra que “o celibato do clero [católico] só foi definitivamente decretado no
Concílio de Trento, que ocorreu entre 1445 e 1563”. E conclui o texto com a
declaração de um padre jesuíta chamado James Martin: “Se descobrissem que Jesus
teve uma esposa, isso não mudaria minha fé. Apenas, quando eu fosse para o
paraíso, perguntaria aos apóstolos por que eles omitiram uma informação tão
importante em seus evangelhos.”
No
mais, a matéria de Veja traz as
mesmas fontes de sempre: teólogos liberais que mal acreditam na canonicidade e
na inspiração da Bíblia. (Detalhe: o assunto de capa dessa edição da Veja [reprodução acima] é altamente “relevante”: o que as
mulheres acham do novo best-seller
sobre sadomasoquismo [leia sobre isso aqui]. Em
contrapartida, deram apenas uma pequena chamada para as revoltas promovidas por radicais islâmicos.)
A
revista IstoÉ aprofundou mais o assunto e revelou um jornalismo melhor ao consultar
fontes diferenciadas e com visão diferente das fontes de Veja (apesar do sensacionalismo da chamada acima). Entres os entrevistados, dois arqueólogos adventistas: os
doutores Rodrigo Silva e Jorge Fabbro. A matéria, assinada por Rodrigo Cardoso,
informa que a referência à Maria (para alguns, a mãe de Jesus) é feita na
primeira sentença do papiro, e cita a explicação do Dr. Rodrigo: é mais
provável que a Maria mencionada no texto seja Maria Madalena e não Maria mãe de
Jesus. “Silva [...] concorda, porém, com a professora Karen, de Harvard. Para
ela, o papiro não é prova de que Jesus se casou.”
IstoÉ
continua: “O documento, segundo ela, seria parte de um livro escrito no século
II, ou seja, uma fonte muito tardia em relação aos dias de Cristo na Terra.
Corrobora também para a dúvida o fato de, naquele período, uma comunidade de
cristãos dissidentes – a maioria de Alexandria, no Egito – ter criado um
movimento chamado gnosticismo, marcado pela produção de textos nos quais a
figura do Jesus preconizada pelo Novo Testamento pode ter sido modificada para
tornar o cristianismo mais palatável ao povo pagão alexandrino. Esse novo Jesus
que nascera ali, entre outros traços, não sentia dor nem sofrimento. Ideias
como a ressurreição, encarnação e morte expiatória na cruz, que não eram
bem-vistas diante dos olhos do mundo grego de Alexandria, ficaram de fora dos
textos apócrifos gnósticos, como os evangelhos de Tomé, Judas e Filipe. Também
surgiu a necessidade de se criar uma esposa para Cristo para, como pregava o
gnosticismo, confirmar a teoria de que espíritos evoluídos estavam sempre em
casais e nunca sozinhos.”
Depois de mencionar o evangelho de Filipe, cujos fragmentos mencionam o episódio de um beijo de Jesus em Maria Madalena, IstoÉ cita Fabbro: “Nessa região e naquela época se discutia muito se era apropriado ao cristão se casar. Por essas evidências, supõe-se que o Evangelho da Esposa de Jesus seja um documento surgido em um ambiente de gnosticismo”.
Depois de mencionar o evangelho de Filipe, cujos fragmentos mencionam o episódio de um beijo de Jesus em Maria Madalena, IstoÉ cita Fabbro: “Nessa região e naquela época se discutia muito se era apropriado ao cristão se casar. Por essas evidências, supõe-se que o Evangelho da Esposa de Jesus seja um documento surgido em um ambiente de gnosticismo”.
“O
fragmento apresentado no Vaticano, portanto, estaria se referindo a um outro
Cristo, uma divindade maquiada, e não àquele presente no Novo Testamento”,
conclui acertadamente o autor da reportagem.
Mais
um detalhe levantado pela matéria: na Israel do século I, nobre não era apenas
a pessoa solteira e celibatária. Assim também seria aquela que, mesmo casada,
tivesse a coragem de deixar a família em segundo plano para servir ao trabalho
de Deus. “Se Jesus fosse casado, seria uma vantagem para ele. Não haveria
motivos para os evangelhos bíblicos negarem o fato”, diz o arqueólogo Silva.
Para ele, o Evangelho da Esposa de Jesus é mais um que reforça o fato de que o
Cristo histórico não foi casado, uma vez que, se tivesse vivido uma relação
marital, a discussão ou menção sobre isso apareceria em livros mais antigos do
que os do século II. “Por outro lado, nota-se um silêncio absoluto no século I
sobre o fato e uma grande efervescência sobre ele no século II. E foi assim
porque o Jesus casado é uma característica de um Cristo construído pela
teologia gnóstica.”
(mais matérias como essa no site www.criacionismo.com.br)
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