terça-feira, outubro 09, 2012
Um poder invisível da fé
A
revista Veja desta semana (5/10/2012)
traz a ótima entrevista “Um poder invisível da fé”, com o psiquiatra americano
Harold Koenig. Ele afirma que as pesquisas são claras ao relacionar as diversas
formas de religiosidade com a prevenção de doenças cardiovasculares e da
hipertensão. Quem o entrevistou foi a repórter Fernanda Allegretti. Koenig é
professor da Universidade Duke, na Carolina do Norte, e há 28 anos se dedica a
estudos que relacionam religião com saúde. Tem 40 livros publicados e mais de
300 artigos sobre o tema. Sua tese é que a fé religiosa ajuda as pessoas em
diversos aspectos da vida cotidiana, reduzindo o stress, fazendo-as adquirir hábitos saudáveis e dando-lhes conforto
nos momentos difíceis, entre outros benefícios. Koenig, de 60 anos, nasceu em
uma família católica, mas hoje, por influência da mulher, frequenta a igreja
protestante. Ele esteve recentemente no Brasil para dar uma palestra em Porto
Alegre e lançar a edição brasileira de seu livro Medicina, Religião e Saúde – O Encontro da Ciência e da Espiritualidade.
Leia a entrevista abaixo, republicada no site da Legrand:
Como o senhor chegou à
conclusão de que a religiosidade aumenta a sobrevida das pessoas em até 29%?
Há
uma relação significativa entre frequência da prática religiosa e longevidade.
Acredito que o impacto na sobrevida seja até maior, algo em tomo de 35%. Três
fatores influenciam a saúde de quem pratica uma religião. O primeiro são as
crenças e o significado que essas crenças atribuem à vida. Elas orientam as
decisões diárias e até as facilitam, o que contribui para reduzir o stress. O segundo fator está relacionado
ao apoio social. As pessoas devotadas convivem em comunidades com indivíduos
que acreditam nas mesmas coisas e oferecem suporte emocional e, às vezes, até
financeiro. O terceiro fator é o impacto que a religião tem na adoção de
hábitos saudáveis. Tanto os mandamentos religiosos quanto a vida em comunidade
estimulam a boa saúde. Os religiosos tendem a ingerir menos álcool, porque
circulam em um meio onde ele é mais escasso e com pessoas que bebem menos. Eles
também têm inclinação a não fumar. É menos provável que adotem um comportamento
sexual de risco, tendo múltiplos parceiros ou parceiros fora do casamento. Tudo
isso influencia a saúde e faz com que vivam mais e sejam mais saudáveis.
Também se beneficiam da
fé os adeptos de religiões que proíbem cuidados médicos, como é o caso das
testemunhas de Jeová com a transfusão de sangue?
A
maioria dos estudos comprova que os benefícios de ser adepto de urna religião
são maiores que os malefícios. No caso das testemunhas de Jeová, há pesquisas
que mostram que a longevidade deles não é diferente da dos católicos ou dos
protestantes. Outro ponto importante é que não há tantas testemunhas de Jeová
no mundo. Os grupos religiosos que se opõem a cuidados médicos são muito
pequenos em comparação à grande maioria que se beneficia de suas crenças
religiosas.
Quem se toma religioso
tardiamente também se beneficia?
Quem
se toma religioso numa idade mais madura também se beneficia, especialmente dos
aspectos psicológicos e sociais. A vida passa a ter mais sentido, a pessoa
ganha apoio da comunidade, esperança e interlocutores afinados com o seu jeito
de ver o mundo. A consequência é a melhora da qualidade de vida. A saúde
física, no entanto, não será tão influenciada porque não dá para apagar os anos
de maus hábitos e os estragos feitos pelo excesso de stress.
Ter fé não é o mesmo
que seguir uma religião. Do ponto de vista dos benefícios, isso também faz
diferença?
Não
adianta só dizer que é espiritualizado e não fazer nada. É preciso ser
comprometido com a religião para gozar seus benefícios. É preciso acordar cedo
para ir aos cultos, fazer parte de uma comunidade, expressar sua fé em casa,
por meio de orações ou do estudo das escrituras. As crenças religiosas precisam
influenciar sua vida para que elas influenciem também sua saúde.
Como as diferentes religiões se comparam nesse efeito positivo sobre a saúde e
a longevidade que o senhor detectou?
Não
há estudos confiáveis comparando as religiões. Até porque as mesmas religiões
se desenvolvem em ambientes completamente diferentes e são influenciadas por
esses ambientes. Um credo cujos benefícios são óbvios no Brasil pode não ter o
mesmo efeito positivo sobre as pessoas nos países árabes.
Algumas enfermidades
respondem melhor à prática religiosa do que outras?
As
doenças relacionadas ao stress, como
as disfunções cardiovasculares e a hipertensão, parecem ser mais reativas a uma
disposição mental de cunho religioso. O stress
influencia as funções fisiológicas de maneira já muito conhecida e tem impacto
em três sistemas ligados à defesa do organismo: o imunológico, o endócrino e o
cardiovascular. Se esses sistemas não funcionam bem. Ficamos doentes. A
religiosidade põe o paciente em outro patamar de tratamento. Pacientes
infartados que são religiosos, por exemplo, têm menos complicações após a
cirurgia, ficam menos tempo internados e, claro, pagam contas hospitalares mais
baixas.
O senhor diz que quem
vê Deus como uma entidade distante e punitiva tem menos benefícios para a saúde
do que quem o vê como um ser compreensivo e que perdoa. Por quê?
A
religião pode virar uma fonte de stress
se aumentar o sentimento de culpa ou gerar um mal-estar na pessoa por ela não
conseguir cumprir com o que a doutrina considera que são suas obrigações
religiosas. Não existem pesquisas que constatem isso, mas certamente um Deus
punitivo, que vigia e condena seus erros, vai elevar esse stress. Por isso, acho que faz bastante diferença acreditar em um
Deus amoroso e misericordioso.
Existem estudos que
ligam a religiosidade profunda à ausência da depressão psicológica. O senhor
também registrou esse efeito?
Os pacientes que lidam melhor com suas doenças, perdas e incapacidades ficam
menos depressivos. Os religiosos suportam melhor suas limitações porque a
religião dá significado a essas circunstâncias difíceis. O sofrimento adquire
um propósito. O indivíduo não sofre sem razão nem se sente sozinho. As
religiões têm inúmeros exemplos de sofrimento: Jesus torturado e crucificado;
Jó, que perdeu bens, família, saúde; Maomé, que passou por momentos difíceis na
infância. Todos sofreram, e a fé os fez seguir adiante. Um estudo recente da
Universidade Colúmbia demonstrou que, quando são religiosos, filhos de pai ou
mãe depressivos têm menor risco de desenvolver depressão. Provar que pessoas
com fatores genéticos de risco podem ser protegidas pela religião é
sensacional.
Muitos pacientes terminais desenvolvem a espiritualidade mesmo sem ter fé
durante a vida. O que sua experiência revela sobre essas pessoas?
O que podemos afirmar com segurança é que pacientes religiosos toleram melhor o
processo da morte. Eles acreditam que não é o fim e, por isso, não ficam tão
ansiosos. Sabem que vão para um lugar melhor, no qual não sentirão mais dor ou
mal-estar. Isso afeta a qualidade de vida da pessoa no período terminal e
melhora a relação dela com a família.
Qual sua opinião sobre
as chamadas cirurgias espirituais?
Os charlatões tendem a se aproveitar de pessoas doentes e desesperadas. Os
pacientes que frequentam esses centros, em geral, não recebem benefício algum e
se sentem desapontados. Alguns chegam a se revoltar contra a religião. O
sofrimento acaba sendo maior porque, a partir do momento em que a pessoa perde
a confiança na sua fé, perde também a habilidade de se adaptar à sua condição.
Um estudo da Santa Casa
de Porto Alegre mostra que 70% dos pacientes gostariam que o médico falasse
sobre religião com efes, mas apenas 15% dos médicos o fazem. Por que isso
acontece?
Os
médicos não recebem treinamento apropriado sobre como fazer a abordagem
religiosa. Eles não sabem trazer o assunto à tona, nem como responder a
perguntas do paciente sobre religião. Nos Estados Unidos e também no Brasil,
ainda são poucas as faculdades de medicina que tratam do tema. A medicina é
considerada uma ciência e, historicamente, há uma grande divisão entre religião
e ciência. A religião é muito mais vaga e nebulosa do que a medicina e, por
isso, continua não levando muito crédito. Médicos tendem a ser menos religiosos
do que a população em geral, então eles não conhecem muito bem o potencial da
religião.
Como o médico deve
falar de religião com o paciente?
É
mais simples do que parece. Só de perguntar ao paciente quanto a religião é
importante na vida dele, o médico está abrindo caminho para atender às suas
necessidades espirituais. O paciente deve sentir-se confortável falando sobre
esse assunto com seu médico. O médico pode, naquele momento mais especial,
tentar saber das decisões que um paciente terminal espera dele em
situações-limite. Pode descobrir se o paciente terminal quer ser ressuscitado
em caso de parada cardíaca, se deseja receber tratamento extenuante prolongado
ou se prefere não estender o sofrimento. Ajuda muito o médico puxar assunto com
o paciente sobre o que ele pensa da existência dos milagres ou se quer receber
orações. O paciente tem de estar seguro de que o médico não vai ignorar ou
fazer pouco-caso de suas carências espirituais.
Como deve ser a
abordagem com um ateu?
Eu
não incentivaria nenhum médico a tentar converter um ateu. Simplesmente porque
essa abordagem não funciona. O médico deve apenas conversar com o paciente e
tentar compreender as causas que o levaram a ser ateu. Médicos não são pastores
ou padres. Nosso trabalho não é catequizar ninguém, é tentar entender o
paciente e como sua crença religiosa ou a falta dela influencia sua recuperação
e as decisões que vão ter consequências em seu tratamento.
O que o senhor pensa
sobre os ateus e os agnósticos?
Acho
que eles estão mais adiante no caminho religioso do que muita gente que nunca
questionou sua religiosidade. Algumas pessoas são religiosas simplesmente
porque os pais são e nunca pararam para pensar sobre isso. Para decidir ser
ateu ou agnóstico, o indivíduo tem de questionar a si mesmo e a religião.
Refletir sobre isso é um progresso. Mas sugiro a essas pessoas que mantenham
sempre a mente aberta. Apenas uma fração do mundo pode ser explicada pela
ciência. Há muitas coisas que não são claras na vida para afirmar
categoricamente que Deus não existe. Noventa por cento da população mundial
acredita em Deus e, se você faz parte dos 10% que não exercem ou não têm
certeza, ao menos mantenha a mente aberta. [...]
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