| 28 Junho 2012
Artigos - Direito
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Antes de tudo, é preciso esclarecer que toda autoridade intelectual
que possuo para pontificar sobre o comportamento humano, enquanto
psicólogo, me foi concedida por uma universidade pública, e não pelo
Conselho Federal de Psicologia - CFP. Logo, não estou obrigado a manter
registro no conselho profissional para me apresentar na qualidade de
psicólogo e opinar como tal. Para tanto, me basta o diploma
universitário.
Com efeito, minhas opiniões sobre assuntos atinentes à Psicologia,
sejam aquelas veiculadas em redes sociais ou na mídia em geral, não
estão sujeitas à fiscalização de um conselho profissional. O CFP não
pode agir como uma espécie de “polícia do pensamento”, coagindo
psicólogos a um alinhamento forçado em torno de concepções teóricas,
ideológicas ou políticas. A Constituição Federal, em seu artigo 5º,
inciso IX, declara:
- “é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
No que diz respeito ao tema da audiência pública, gostaria de
declarar que, em termos gerais, não sou contra o espírito da resolução
01/99. Entretanto, vou me deter mais especificamente nos seus artigos 3 e
4, que são objeto de discussão. Indo direto ao ponto, quero deixar
claro que não entendo a homossexualidade, em si mesma, como uma doença.
Não acredito que uma orientação sexual, seja ela qual for, deva ser
submetida a tratamento e cura, no que esses dois termos possam sugerir
algo de patológico.
Não obstante, devemos lembrar que o campo de atividade dos psicólogos
transcende a dicotomia saúde e doença, e qualquer tentativa de
confiná-lo em limites tão estreitos seria um reducionismo teórico
inaceitável. A clínica psicológica abarca conceitos muito mais
abrangentes, como os de auto-realização, ajustamento e bem-estar
pessoal. A psicologia não apenas trata, mas orienta, aconselha, e vai
além: auxilia o indivíduo numa busca pelo autoconhecimento, pela
transformação pessoal, segundo seus próprios valores e aspirações. Tais
práticas já foram amplamente consagradas pela profissão.
Outrossim, não devemos esquecer um preceito ético fundamental dos
psicólogos, aquele que nos obriga a garantir que a demanda trazida pelo
cliente prevaleça sobre as convicções políticas, filosóficas, morais,
ideológicas, religiosas ou até mesmo de orientação sexual do
profissional – é o que preconiza o nosso código de ética. Se o paciente
deseja modificar sua orientação sexual, seja ela qual for – é bom que se
diga – não está autorizado o psicólogo a demovê-lo deste propósito.
Quando muito, pode escusar-se de prestar tal assistência se entende que
lhe falta perícia profissional para fazê-lo ou, no limite, se se sente
impedido por razões de foro íntimo. Fora isso, os psicólogos, munidos de
sua técnica, devem ser o facilitador da mudança desejada, conforme os
ideais, valores e aspirações DO PRÓPRIO CLIENTE – uma vez que esse
conjunto de atributos também faz parte de sua identidade.
Não raro vemos alguns ativistas propagando a idéia de que o
sofrimento experimentado pelo homossexual diante de sua orientação
sexual é produto de fatores extrínsecos, a exemplo do que chamam de
“homofobia social internalizada”. Isso me parece uma avaliação bastante
simplória e destituída de fundamentos. Os caminhos da sexualidade humana
são muito complexos para caber em molduras ideológicas pré-fabricadas,
que não têm outro objetivo senão o de, estrategicamente, obter certos
efeitos políticos. O que esses ativistas diriam se alguém defendesse a
idéia, igualmente simplória, de que a homossexualidade masculina seria
fruto de uma misoginia internalizada?
Ora, o que esses militantes não querem admitir, em sua cegueira
ideológica, é que o sofrimento experimentado diante de uma dada
orientação sexual, seja ela qual for, pode ser o sintoma de um
desconforto existencial absolutamente legítimo, sobretudo se
consideramos e respeitamos a capacidade de autodeterminação e
discernimento de todo ser humano. É curioso que os ativistas tentem nos
fazer acreditar que a orientação sexual de um indivíduo, no caso, um
homossexual, seja o único traço verdadeiramente normal e saudável de sua
identidade, enquanto que seus sentimentos de rejeição diante desta
orientação, sempre e necessariamente, refletiriam a parte mais doentia
de sua personalidade. É como se o desejo sexual e o erotismo fossem o
que há de mais essencial, sublime, verdadeiro e irredutível de sua
identidade, sendo tudo o mais mero produto de convenções sociais
arbitrárias e impositivas, mecanismos de opressão criados por uma
suposta e improvável conspiração “heteronormativa”.
Por tudo o que foi dito, defendo a idéia de que a assistência
psicológica ao homossexual que opta pela reversão de sua orientação
sexual, antes de ser uma questão ética, se coloca como uma questão
científica a ser resolvida. Nesse sentido, o poder normativo do Conselho
Federal de Psicologia não pode usurpar o lugar do debate científico e
da discussão acadêmica qualificada, submetendo a pesquisa e a produção
do conhecimento aos apelos histéricos do politicamente correto ou às
ambições políticas de grupos minoritários.
Qualquer prática terapêutica, para ser eticamente condenável, precisa
atender uma das três condições que se seguem: (i) a comprovação de sua
ineficácia absoluta (ii) a utilização de métodos que atentam contra a
dignidade humana e (iii) a incidência de efeitos iatrogênicos
estatisticamente relevantes. De mais a mais, não há pretextos que possam
impedir a uma pessoa que, voluntariamente, busca o auxílio de um
profissional da psicologia para fazer valer suas as aspirações mais
legítimas. Trata-se de uma questão de direitos individuais e liberdade
de escolha. E isso é tudo.
Luciano Garrido é psicólogo, policial, especialista em segurança pública e direitos humanos.
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